Tuesday, September 11, 2007

Empreendedorismo e Inovação: algumas reflexões


O atual ambiente de negócios caracterizado pelo alto grau de mudança e incerteza tem exigido de dirigentes, sobretudo os de setores de alta tecnologia, um perfil proativo alinhado com competências empreendedoras. Em estudos recentes, o professor e pesquisador Fernando Paiva, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Tecnologia, Estudos Culturais e Consumo (GTECC/PROPAD/UFPE), identificou, junto com sua equipe, a emergência dessas competências constitutivas das ações de profissionais inovadores provenientes do setor de alta tecnologia. Os resultados dos estudos mostram que as incubadoras (assim como outras iniciativas de formação empreendedora) proporcionam condições para que os dirigentes das empresas desenvolvam saberes que dinamizem respostas efetivas às práticas de criação e desenvolvimento de seus negócios.

Nos últimos anos, o Empreendedorismo ganhou destaque na academia e na mídia, estando também atrelado à formação de políticas públicas orientadas para o desenvolvimento de cidades, estados e países. Pode-se dizer que o empreendedorismo é um conceito já definido? Ou o tema ainda carece de pesquisas?

Fernando Paiva - Podemos dizer que, nesse período, observamos um crescente e significativo interesse pelo empreendedorismo, que consideramos como um fenômeno que modifica as condições correntes do mercado através da introdução de algo novo e diferente em resposta a necessidades percebidas. No Brasil, a preocupação com a criação de empresas que consigam subsistir e reduzir o alto índice de falência de novos negócios pode ser a razão pela qual o tema do empreendedorismo assume crescente importância.

Diante dessa realidade, o “fim do emprego” no mercado de trabalho, processos de downsizing e reengenharia, principalmente nos anos 90, novas formas de tecnologia gerencial são buscadas como alternativas de empregabilidade. O empreendedorismo surge, então, como mais um caminho a ser ofertado para solução deste problema. Devemos considerar também que os pequenos empreendimentos são vitais para a criação de novas empresas. Tais iniciativas individuais são desenvolvidas em paralelo com uma predisposição natural para a inovação, contribuindo para o desenvolvimento local.

Como a nossa realidade é bastante complexa, o desenvolvimento do empreendedorismo, como o surgimento de novos empreendedores e novos negócios, é um desafio para os organismos de intervenção, tanto governamentais como empresariais. Mais do que nunca, é fundamental a sinergia de esforços dos diversos setores da economia para o desenvolvimento de ações efetivas que garantam o desenvolvimento sustentável dos empreendimentos.

Quanto ao significado do tema, posso dizer que na literatura sobre empreendedorismo, há muita confusão a respeito da definição do termo "empreendedor". Pode-se aceitar que o empreendedorismo consiste no fenômeno da geração de negócio em si, relacionado tanto com criação, quanto com a expansão de uma empresa. Eu destaco que tanto no ato da criação de negócios como nas empresas já existentes, o empreendedorismo voltado para a busca e exploração de oportunidades tende a acelerar a expansão dos empreendimentos, o progresso tecnológico e a geração de riqueza.

O conceito de empreendedorismo pode ser associado à concepção de espírito empreendedor a conceituação de orientação empreendedora (OE), buscando esclarecer o significado do tema. Podemos definir a orientação empreendedora como um processo associado a métodos, estilos e escolhas estratégicas. Já do ponto de vista do comportamento do empreendedor, o empreendedorismo pode ser, ainda, considerado um fenômeno regional, ou melhor, a visão deste fenômeno não deve estar desprovida de uma análise contextualizada das peculiaridades regionais. Nesse ponto, os estudos em empreendedorismo ainda carecem de uma abordagem mais profunda. Empreendedores locais podem refletir a cultura de sua própria comunidade e, assim, se concentrarem na busca de nichos de mercado e satisfação de necessidades específicas do local.


No âmbito da UFPE, dentre 20 diferentes cursos, floresce o conceito de empreendedorismo e tecnologia. Diante deste panorama, qual a importância de uma iniciativa como o Recife Beat para o reconhecimento de oportunidades de negócios em diversas áreas envolvendo tecnologia de informação?

FP - Uma pré-incubadora provê as condições necessárias para que empreendedores jovens iniciem uma vivência com a dinâmica do mercado. A incubação de empresas emergiu como tecnologia social viável, onde os empresários dispõem de infra-estrutura e suporte técnico-gerencial para estruturar sua ação empreendedora. Ao constituírem ambientes de convergência entre o poder público, o mercado e os centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D), as incubadoras favorecem a articulação em rede entre os empresários, os stakeholders, auxiliando-os a desenvolverem suas potencialidades. No entanto, os empreendedores tendem a enfrentar dificuldades ao longo do estágio inicial de seus negócios até momentos posteriores do crescimento dos negócios. Nesse sentido, o empreendedor se depara com uma configuração organizacional que demanda competências diferenciadas para o desenvolvimento de relacionamentos que possibilitam a criação de empreendimentos sustentáveis e ganhos para a sociedade.

Em nossa Universidade, existem diversas atividades empreendedoras dispersas. O Beat possibilitaria a articulação das várias áreas de conhecimento da UFPE, de modo a desenvolver mecanismos interativos entre cursos e práticas de extensão em empreendedorismo implementados na universidade.

Durante o ano de 2006, o Beat realizou uma série de seminários, os Seminários de Inovação e Empreendedorismo, que possibilitaram a manutenção de um espaço democrático de debate acerca do tema de reconhecimento de oportunidades de negócios entre a TIC e os demais campos vigentes na comunidade acadêmica. Nesses eventos, professores e convidados do mercado interagiram entre o público, representando a abertura do diálogo entre a Universidade e os diversos setores produtivos da sociedade, incentivando o desenvolvimento de uma cultura empreendedora nos campos interdisciplinares do Empreendedorismo, da Inovação e da TIC.

Nos dois projetos de extensão (PROEXT-UFPE 2005/2006 e 2006/2007) que realizamos junto ao Beat, trouxemos junto aos nossos esforços a crença de que a implementação de uma cultura empreendedora pode gerar meios e bases sólidos para o desenvolvimento local. Essa visão acerca do contexto econômico e das possíveis mudanças que podemos implementar foi compartilhada também por nossos parceiros. Concluímos as atividades desses projetos cientes de sua importância para a criação e fortalecimento de uma cultura empreendedora nos jovens empreendedores do Beat e da importância dessa cultura para a mudança de nosso estado e do país.

Pernambuco é hoje um dos maiores pólos de TIC do Brasil, gerando renda e empregos e incorporando várias ações empreendedoras. Como você avalia a contribuição do Porto Digital para o desenvolvimento do Estado?


FP - Compreendo a importância do Porto Digital no que se refere ao desenvolvimento de um cluster tecnológico que representa geração de emprego e renda, além da consolidação de uma indústria baseada no conhecimento, resgatando o compromisso da nossa Universidade com a sociedade. A partir de um levantamento inicial, identificamos o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) de Pernambuco e o Porto Digital como um caso ilustrativo, que nos permitiria desenvolver diversas análises, por ser ele um sujeito coletivo, fundado a partir de um projeto de desenvolvimento, por meio de articulações de atores heterogêneos.

O Porto Digital surgiu como um projeto que reuniu a administração pública, a iniciativa privada e as universidades, compondo uma articulação local, no formato de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), no setor de TIC. Um de nossos estudos analisou o que o Porto Digital representa para o Estado; foram analisados textos oficiais (e.g., site institucional, documentos do governo do Estado), nos quais esse projeto se apresenta como um formato interinstitucional alternativo de desenvolvimento econômico e social para Pernambuco. Nesse levantamento na mídia de massa, pudemos constatar matérias que endossam esta imagem divulgada pelo Porto, de um empreendimento inovador que busca impulsionar a economia local.

Em outro estudo sobre empreendedorismo, identificamos que a identidade cultural do empreendedor é utilizada na busca pelo desenvolvimento local e essa relação foi encontrada no Porto Digital. Dessa forma, quanto mais envolvido com a sua cultura, mais o empreendedor assume compromisso com a sua cidade, comunidade. A presença da identidade cultural na articulação de caráter empreendedor no Porto Digital, passa a ser um caminho para entender a natureza da prática empreendedora. Nesse processo, empreendedores encontrarão referências necessárias para utilizar forma inovadora os recursos econômicos e simbólicos, utilizando-os em novas condições de produção e de consumo.


Na sua opinião, quais as perspectivas para o empreendedorismo de alta tecnologia no nosso Estado? O que ainda deve ser feito?


FP - Destaco, entre outras coisas, a importância das incubadoras e pré-incubadoras de empresas, assim como o papel da Universidade na produção de conhecimento. Nas incubadoras, as competências empreendedoras devem estar alinhadas a um saber mais amplo, que contemple um modo de agir que permitia ao dirigente decidir sobre as ações adequadas às novas situações e sobre quais os rumos necessários para orientar o negócio em meio a turbulências presentes no ambiente. Nesse sentido, esses espaços podem assumir uma dimensão estratégica no processo de formação do empreendedor ao criarem condições para o desenvolvimento das competências desses agentes.

Outro fator que destaco é o estímulo ao relacionamento dos incubados entre si e com stakeholders, que pode favorecer a ascensão estratégica desses ambientes de estímulo ao florescimento do empreendedorismo, na medida em que viabiliza o intercâmbio de conhecimentos necessários à reprodução e à sustentabilidade dos seus empreendimentos. Além disso, a formação de redes de negócio (network) torna esse espaço articulador um ambiente sinérgico ao possibilitar a formação de capital social, entendido aqui como a confluência de esforços por parte de diversos stakeholders conectados numa interação social onde a confiança é o principal elemento de consistência da teia de negócios.

As competências empreendedoras e, em especial, a evidência das competências de relacionamento como importantes no processo de geração e desenvolvimento de negócios numa ótica de integração a redes sociais, nos permitem inferir que o cenário atual exige dos dirigentes e colaboradores algo além de conhecimentos sobre desenvolvimento de produtos e práticas de gestão. Torna-se imprescindível vincular a ação empresarial a uma postura que agregue proatividade e adaptação com o objetivo de superar os riscos do mercado por meio de uma perspectiva reflexiva de aprendizagem.

Dessa forma, teremos um contingente de empreendedores que certamente conduzirão seus negócios de forma efetiva, garantindo o desenvolvimento de seus negócios, bem como do cluster de TIC como um todo.


Para maiores informações sobre a produção científica do professor Fernando Paiva, acessar o link: http://lattes.cnpq.br/2322370316579303